Indiciamento de ex-ministro da Economia revive fantasma de expurgos políticos em Cuba
A acusação de "espionagem" e "corrupção" contra um ex-ministro da Economia próximo do presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, gera dúvidas e revive o fantasma dos expurgos políticos na cúpula do poder comunista.
Desde a destituição de Alejandro Gil, em fevereiro de 2024, e do anúncio pouco depois feito por Díaz-Canel de que ele era investigado por "erros graves", nenhuma informação veio à tona sobre o destino do ex-ministro, mas um comunicado enigmático da Procuradoria-Geral de Cuba reacendeu as especulações há uma semana.
A Procuradoria pediu, então, que Gil, ministro da Economia e Planejamento entre 2018 e 2024, além de outros acusados, cujas identidades e número não foram especificados, sejam considerados responsáveis "pelos crimes de espionagem" e "atos em prejuízo da atividade econômica", e condenados à prisão.
O texto enumerou, ainda, um leque de acusações: "malversação, suborno, falsificação de documentos públicos, evasão fiscal, tráfico de influência, lavagem de ativos, infração das normas de proteção de documentos sigilosos e subtração e dano de documentos ou outros objetos em custódia oficial".
Não foram dados detalhes sobre o país beneficiário das supostas atividades de espionagem ou os prejuízos econômicos causados. Tampouco foi informada a data de um possível julgamento.
Em Cuba, o crime de espionagem é punido com penas de 10 a 30 anos de prisão, de prisão perpétua e, inclusive, de morte.
- Próximo de Díaz-Canel -
Gil, um engenheiro de transportes de 61 anos, foi um servidor público próximo de Díaz-Canel, que sucedeu Raúl Castro na Presidência cubana. Ele foi ministro da Economia e Planejamento de 2018 até sua queda repentina.
Desde então, não voltou a ser visto em público e não se sabe se está detido ou em prisão domiciliar.
O caso Gil veio à tona em um momento em que o país enfrenta sua pior crise econômica em 30 anos e vive uma abertura caótica ao setor privado, com inflação alta, o empobrecimento de parte da população e o aumento das desigualdades.
No entanto, sua destituição, embora espetacular, não é um fato isolado no poder cubano, marcado por uma sucessão de expulsões de políticos e militares, todas elas cercadas de mistério e ocorridas em momentos de crises ou de tensões internas.
Entre os casos de maior repercussão estão os do chanceler Felipe Pérez e o do secretário do Conselho de Ministros, Carlos Lage, em 2009, durante a Presidência de Raúl Castro.
Estas duas figuras do poder cubano sofreram uma queda vertiginosa, após terem sido destituídos por conduta "imprópria".
- "Mensagem política" -
Pérez Roque tinha substituído Roberto Robaina, outro jovem com uma carreira brilhante, que acabou sendo interrompida em 1999 por "deslealdade" a Fidel Castro.
O caso do general Arnaldo Ochoa, acusado de narcotráfico juntamente com outros oficiais, é até hoje o de maior repercussão na ilha.
Após um julgamento qualificado de stalinista pela dissidência, Ochoa, ex-combatente da guerrilha de Fidel Castro em Sierra Maestra e herói das missões militares de Cuba em Angola, foi fuzilado em 1989 com outros três oficiais.
Para o cientista político Arturo López-Levy, pesquisador da Universidade de Denver, o caso Gil pode ser interpretado como "uma mensagem política" para os funcionários públicos cubanos.
"Em um contexto de crise e de projetos de reforma e abertura [ao setor privado], o fato de uma pessoa nos mais altos níveis ter um comportamento de 'fim de jogo', envia sinais" negativos que a cúpula quer neutralizar, acrescenta o especialista.
Segundo López-Levy, para o setor mais conservador da cúpula, Gil simboliza as "pessoas que acreditam que não há futuro dentro do sistema" e que "começaram a se preparar para o dia seguinte", assegurando seu futuro econômico.
Em uma reação incomum dentro do poder cubano, no dia seguinte ao anúncio da Procuradoria, a filha do ex-ministro cubano pediu transparência em uma postagem no Facebook.
Laura María Gil destacou que seu pai nega todas as acusações atribuídas a ele e pediu "um julgamento a portas abertas", que "seja televisionado ao vivo", com "a participação de veículos de imprensa oficiais e não oficiais".
"Sobre o tema da espionagem (...), acredito que o povo agradeceria muito mais uma ampliação da notícia", acrescentou a jovem, que também pediu detalhes, como "o que fez, qual país ou países" beneficiou e "o que recebeu em troca".
Mas López-Levy ressalta que existe a "possibilidade" de que a acusação de "espionagem" permita às autoridades conduzirem este processo "a portas fechadas".
A.Slezak--TPP